terça-feira, 5 de maio de 2009

O DESERTO COMO TERRENO A SER BUSCADO

1. O Deserto na Tradição da Igreja:

Os primeiros Padres do deserto: frutos da mudança de mentalidade provocada pelo Edito de Milão.
Perspectiva escatológica iminente e o desejo de romper com o mundo: Este texto da igreja primitiva reflete muito bem a mentalidade que assolava o mundo cristão de então:
"Um bispo, homem piedoso e modesto, mas que tinha excessiva confiança em suas visões, tivera três sonho e se pôs a profetizar: ‘Sabei, meus irmãos, que o juízo final ocorrerá em um ano. Se o que vos digo não acontecer, não creiais mais nas escrituras e agi como vos aprouver’. Ao cabo de um ano, nada aconteceu, ele ficou confuso, os irmãos escandalizados, as virgens se casaram e os que tinham vendido todo os seus bens foram reduzidos à mendicância". (Padre do Deserto - Jacques Lacarrière. Texto citado de S. Hipólito, bispo de Roma. III séc.).
O impacto que gerou a obra de santo Atanásio: Vida de Antão.
Forte influência dos escritos de S. Pacômio, grande organizador da vida cenobítica.
S. Jerônimo escreve Vida de Paulo de Tebas e Vida de Malco, monge escravo difundindo o ideal monástico.
Grandes nomes se destacam neste período: Gregório Nisseno, Gregório Nazianzeno, Basílio, Agostinho, Jerônimo, Atanásio, etc…
O ideal monástico era baseado na busca do deserto como sinal da luta e do abandono de todas as coisas. Neste período o deserto assume também forte caráter de transitoriedade, os homens que vão ao deserto continuam a participar ativamente da igreja e ajuntam muitos ao seu redor. O que ocorria mesmo com dendritas e estilitas…
Bento organiza uma regra muito simples e de grande precisão o que concede grande impulso às comunidades monacais de seu tempo. O ideal monástico dilata-se ainda mais com o pontificado de Gregório Magno, de origem beneditina, ele prestigia e difunde os mosteiros beneditinos por toda a Igreja.
Na idade média o mosteiro de Cluny engrandece anda mais o ideal monástico com as reformas dos Cartuxos e Trapistas. Destaca-se por este período S. Bernardo de Claraval…
Após um período mais afastado o tema do deserto retorna em nosso tempo com o forte impulso dos estudos do cristianismo primitivo (patrística) e o reflorescimento do monaquismo. Estaca-se a vida do irmão Charles de Fulcould, que viveu toda sua vida no ideal do deserto. Após sua morte perpetuaram o seu estilo de vida os irmãos de Jesus.

2. Espiritualidade do Deserto:


Dinâmica do Provisório:
"O deserto nada tem a ver com uma mística de fuga dos homens… Considerando a história dos crentes, é preciso incutir com energia este aspecto provisório do deserto. Se houve erros e desvios na interpretação do deserto bíblico, eles se acham presentes e tem se deixado perceber sempre que se quis fazer do deserto a situação definitiva e duradoura do crente. O cristão é destinado à comunidade, à Igreja, a sociedade dos homens. Deve caminhar algum tempo pelo deserto, a fim de se preparar para a missão, para o contato com os outros". (Enzo Bianchi)

Não confundir com Retiros:
"O deserto é mais do que lugar de retiro, já que por sua extensão e sua aspereza possui valores próprios… Ele traz em si o sinal da pobreza, da austeridade, da simplicidade mais absoluta; o sinal da total impotência do homem, que descobre sua fraqueza porque não pode subsistir no deserto e se vê obrigado a buscar seu refúgio e seu amparo em Deus só… O deserto é tentativa de progresso desnudado, destituído de todo apoio humano, na carência e na falta de todo sustento terreno, inclusive o espiritual, para encontrar Deus… O que é essencial no deserto é o despojamento total, bem como a espera paciente e silenciosa de Deus na inatividade de nossas potências". (Pe. Voillaume).

Orientações para se viver bem o deserto:
"Quem deseja fazer um dia de deserto deve fazê-lo com o espírito de imitar Jesus, que, de vez em quando, se retirava para ‘lugares desertos’ a fim de orar.
Logo não é tanto o desejo de repouso e solidão longe dos homens e do barulho que estes fazem, que impelia Jesus ao deserto, porém bem mais a sede de estar face-a-face com Deus, seu Pai, em sua função de adorador e salvador. Este desejo de solidão é a única coisa que deve estimular-nos a buscar e a amar a solidão
O deserto põe o homem diante de si mesmo, inerte e privado de todas as suas forças, potências e hábitos, para confrontar-se com a presença de Deus no máximo despojamento possível. Num dia de deserto não se encontra normalmente a presença da eucaristia e das funções litúrgicas. Por isso será preciso esforçar-nos para buscar a presença de Deus em nós e também na natureza que nos rodeia.
Quando partes para um deserto dizes para ti mesmo que Deus te encher com a sua presença à medida que tua fraqueza respeitar a solidão e perseverar na oração. Se faltarem estas disposições fundamentais de esperança e de disponibilidade aos dons de Jesus, podes ficar bem certo de que muitos outros espíritos mau vagarão em torno de ti na solidão. Basta ler a Sagrada Escritura para convencer-se deste sério perigo.
Aliás entre as poucas coisas que deves levar contigo para um dia de deserto não te esqueças da Bíblia, que contém todo exemplo dos homens que se sentiram apaixonados pelo deserto…
Lembre-se sempre que o deserto é um lugar de trânsito e que há sempre um retorno mais forte e mais sereno para junto dos homens, de quem não poderás esquecer-te nem mesmo durante o deserto.
A última observação é de que um deserto transitório reclama outro: aquele que Jesus restituiu sua alma ao Pai…

Oxalá que um dia de deserto reavive em ti o desejo de morrer mártir por ele e com ele e… que isto aconteça a manhã, como escrevia o irmão Charles de Jesus, alguns dias antes de morrer".


Um Abraço em Cristo Jesus.

Pr Edmundo