“Porque surgirão falsos cristos e falsos profetas operando
grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos”. Mateus 24:24
Não é raro
encontrar pessoas que se dizem crentes relatarem testemunhos “sobrenaturais”, “sinais e maravilhas”,
“mistérios”, etc. Vigílias onde coisas estranhas acontecem, gente que vê
folhas de árvores douradas, prateadas, brilhantes, reluzentes ou pegando fogo.
Falar em vocábulos estranhos e “sentir” Deus enviando Sua Palavra são coisas
mais do que “normais” para vários grupos evangélicos. Cultos onde pessoas
choram, riem, batem palmas, caem, convulsionam, e tudo de forma descontrolada.
Igreja
evangélica, hoje, é sinônimo de concentrações de pessoas e múltiplas
manifestações físicas, gente que marcha como soldado de um lado para o outro,
gente que fica rodopiando e gesticulando como animais, ruídos estranhos,
experiências de “sair” do corpo e voar por cima das outras pessoas, visões de
anjos e pétalas de rosas caindo do céu, visões de entidades monstruosas,
viagens ao céu, viagens ao inferno, enfim, fanatismo e êxtase.
É inútil relatar
tantas esquisitices. O que importa dizer é que essa religiosidade mística é predominante no Brasil, e de uns
anos para cá, sorrateiramente isso tem influenciado o comportamento de muitos
protestantes históricos, que agora, querem ser chamados de “RENOVADOS”. Até a
IPB – Igreja Presbiteriana do Brasil – que possuía o símbolo da sarça (a antiga
sarça emblema da Igreja da Escócia) inseriu há um tempo uma “pomba” no centro
da sarça por causa dessa influência pentecostalizada. Este fato é apenas um
pequeno exemplo do poder de interferência dos chamados carismáticos sobre as
igrejas históricas. Não são poucas as igrejas históricas que vem sofrendo
ascendência mística.
Em geral, a
religiosidade evangélica de hoje está abraçada a uma espécie de neopaganismo.
O conceito do panteísmo ganhou nova roupagem. Deus agora “é fácil”. A Bíblia
não é mais a única regra de fé e prática como diziam os antigos cristãos.
Quanto maior a ignorância bíblica, mais forte o misticismo.
Hoje se fala
muito em “culto festivo” – Princípio
Regulador de Culto, nem falar! -, parece um bem intencionado discurso, mas de
onde vem toda essa “festividade”?
Alguns querem justificar seus cultos “renovados
e festeiros” reportando-se ao povo judeu em suas peregrinações, mas uma
exegese superficial logo demonstra que o judaísmo nunca teve liturgia de culto
festivo, nem no templo nem na sinagoga – peregrinação não é culto! - Liturgia
festeira é coisa da cultura africana e indígena. E não precisa ser antropólogo
para saber disso.
As pessoas
querem transcender. A busca da embriaguez mística é o objetivo dos cultos.
Falar em linguagem estranha, ter visões e “profetizar”, ser arrebatado em
espírito, “voar”, etc. Essas coisas têm muito mais semelhança com o misticismo
afro-indígena. Não há qualquer tradição judaico-cristã nessa contemplação do
incompreensível.
O uso
racional da cabeça em conhecer algo está sendo substituído por um mergulho de
cabeça nas experiências. Muita
gente não está interessada em CONHECER os atributos de Deus e Sua vontade, mas “tocar” no Seu trono, nas Suas vestes, “experimentar” a liturgia dos anjos. É
preferível experimentar uma força subjetiva, uma energia, e não ficar
aprisionado no mundo racional que ouve algo inteligível. A fórmula “mágica” é esvaziar o púlpito de todo
conteúdo doutrinário objetivo e encher as pessoas de revelações subjetivas e
emocionais. Temos adoradores com paralisia intelectual!
No lugar de se
invocar a Santíssima Trindade e humilhar-se em Sua presença, os invocadores
apelam à presença de um Deus por demais imanente, como se fosse um de nós, e
invocam e evocam muito mais os anjos e os demônios. Acham que podem achegar-se
a Deus como bem entendem.
O movimento
carismático ou pentecostal é uma forma moderna de misticismo, porque é
fundamentado não na doutrina dos apóstolos, mas num conceito de fé irracional e
irreal. O movimento é atraente porque muitas pessoas não querem CONHECER as
Escrituras, mas querem “algo mais” (e
de preferência: rápido e fácil). John MacArthur Jr., teólogo contemporâneo,
crítico ferrenho do misticismo, observou de forma cuidadosa que existe uma
intolerância teológica quanto ao ensino bíblico por parte dos evangélicos
pentecostalizados. Escreveu ele: “As
experiências místicas não se alinham com a verdade bíblica, elas afastam as
pessoas da verdade de Cristo. As pessoas começam a buscar experiências
paranormais, fenômenos sobrenaturais e revelações especiais – como se nossos
recursos em Cristo não fossem o bastante” (...) “Os sentimentos se tornam mais
importantes do que a própria Bíblia”.
O crescimento
numérico dos evangélicos no Brasil é algo significativo. E existe uma
estatística bem interessante e curiosa sobre um determinado segmento: o que
cresceu não foi tanto o número de protestantes históricos, mas o número de
pentecostais que pulou de 8,1 milhões em 1991, para 17,6 milhões em 2000.
Atualmente os pentecostais representam quase 68% dos evangélicos. Ora, é
exatamente esse movimento que tem influenciado quase todas as alas do
protestantismo. A influência vem daí, e eles [os pentecostais] são
influenciados por líderes despreparados, emergentes e místicos. Um novo xamã
ressuscitou no Brasil. Se conseguimos vestir calções de futebol nos índios e
também ensinamos a usar a Internet, eles agora estão de “terno e gravata”
influenciando a teologia.
Em várias
localidades a diferença entre uma igreja evangélica renovada (que se diz mais
séria) e uma igreja pentecostalizada está somente nos decibéis. Seus vizinhos
que o digam. O que é que se pode esperar de um encontro emotivo onde o culto é
uma válvula de escape? Gente fraca é presa fácil das falsas promessas do
misticismo.
No início do
século passado os protestantes brasileiros acusavam os católicos romanos de
sincretismo religioso com os elementos da religiosidade africana. Eles também
foram criticados por sua religiosidade popular sincretista com os espíritas, e
também com traços cúlticos da religiosidade indígena. Mas hoje os canhões
mudaram de alvo, podemos dizer que, literalmente, o tiro saiu pela culatra.
Hoje temos o império pós-modernista-da-igreja-evangélica-tupiniquim-do-reino-dividido-afro-kardecista.
O Brasil é um
país místico, obcecado pelo “espiritual”. A baixa cultura acadêmica retira o
alicerce escriturístico sem pedir licença, e por falta de filtro, muitos estão
sendo explorados por lobos vorazes. E o Cristianismo genuíno sofre porque é uma
religião da Bíblia; é uma experiência que passa pela compreensão do que é
COMPREENSÍVEL.
O misticismo nos
arraiais evangélicos é usado também para a intimidação “espiritual” para
rebaixar os neófitos. Não é incomum que certos líderes experientes, pessoas que
dizem ter sonhos, visões ou experiências transcendentais menosprezarem os
inexperientes, e desenvolverem uma competição carnal e orgulhosa. Isso não tem
nada de espiritual! E todos sabem disso.
Estamos mais do
que nunca mundanizados e paganizados. Que os pentescostais, que se dizem
“tradicionais”, não venham com desculpas, dizendo que não são como outros
grupos pentecostais e neo-pentecostais, quando na verdade estão substituindo o
“sabonete ungido” por “óleo ungido”. Os católicos romanos sempre tiveram suas
novenas, hoje os evangélicos tupiniquins têm “correntes de oração”. Isso não é
misticismo?
Não precisamos
estudar antropologia para saber que “culto de libertação” é religiosidade pagã.
Antigamente, no tempo em que éramos protestantes, ouvia-se os salmos
metrificados, hoje se ouve louvorzão “mantrificado” (neologismo derivado de
“mantra” – palavra, som monossilábico ou verso usado de forma repetitiva e
musicada proporcionando um estado contemplativo-místico). Os chamados “levitas”
modernos encantam seus ouvintes por horas, até deixá-los “soltos” e leves.
As grandes
doutrinas da graça, chão firme e sólido para a caminhada cristã, são
substituídas por diálogos retóricos agressivos sobre os males da existência.
Hoje ouvimos muito mais discursos sobre sofrimentos, dores, doenças, filhos,
solidão, separação, desemprego, marginalidade, vícios, prostituição, brigas,
traições, “encostos”, libertação, poder, prosperidade, miséria material, do
que: Autoridade das Escrituras, o Ser de Deus, os Decretos Soberanos de Deus,
obediência ao Criador, o louvor de Sua Providência, sobre a Corrupção da
natureza humana, a exigência da Justiça de Deus, do Pacto Eterno de Deus com
Seu povo eleito, da cruz de Cristo, dos ofícios do Senhor Jesus Cristo, da Justificação
pela fé, da Regeneração, da Adoção, da Santificação, da Fé Salvadora, da vida
cristã de arrependimento, da certeza da graça e da salvação, da Lei de Deus, do
Dia do Senhor e do Princípio Regulador de Culto, da Ressurreição, do Juízo e da
ira de Deus, enfim, das Doutrinas (com “d” maiúsculo) cristãs históricas.
Muitos
pregadores ruidosos gostam de vociferar o lema: “abaixo os dogmas! Abaixo os dogmas!” (mas, o que é mesmo dogma?,
alguém pergunta. “Sei, lá!” é a resposta). Acredito que temos um problema
diante de nós que poucos ou ninguém quer mexer. As doutrinas cristãs que
realmente alimentam o rebanho de Cristo não vêm em forma de revelação
extra-bíblica, elas precisam ser sistematizadas, racionalizadas e discursadas.
E a maioria dos evangélicos (e por que não dizer dos brasileiros) é analfabeta
funcional, ou seja, sabe soletrar e ler, mas não entende o conteúdo. Portanto é
muito mais fácil “conectar-se” com Deus de forma intuitiva, sem ter de ouvir ou
estudar doutrina. Muitos cristãos estão marchando em êxtase numa busca do
extraordinário, e sob seus pés não se encontra Satanás, mas as Escrituras estão
sendo pisoteadas!
O Pr. Isaías
Lobão P. Jr., fez algumas observações interessante ao resenhar o livro de John
Stott, Crer é também pensar (publicado aqui no site), eis um
trecho: “No primeiro capítulo, Cristianismo de Mente Vazia,
Stott desafia a tendência anti-intelectual de muitos crentes. Baseados na
filosofia secular do pragmatismo, muitos crentes abandonam a doutrina em busca
da prática. Stott critica esses crentes afirmando que toda boa doutrina é
sempre acompanhada de um ensino prático. Ele cita três grupos que fazem isto:
1. Os católicos (e acrescento, muitos
evangélicos) que ritualizam sua relação com Deus, mecanizando sua relação com
Deus.
2. O segundo grupo, os cristãos radicais que
concentram suas energias na ação social e na preocupação ecumênica. Se bem que
este grupo seja (ainda) pequeno no evangelicalismo brasileiro, é uma postura
bastante comum entre os crentes britânicos. Sua luta social esconde uma
ignorância e desprezo pela doutrina.
3. O terceiro grupo alistado por Stott, são os
crentes pentecostais. (esses nós temos de sobra!). A busca incessante dos
pentecostais por experiências com Deus, os leva, geralmente, a colocar o
subjetivismo e o emocionalismo acima da doutrina bíblica”.
Que podemos
dizer? A tendência anti-intelectualista necessariamente exclui uma reforma
genuína. Uma nova reforma não virá através dos manipuladores de emoções.
A Reforma
Protestante desencadeada na Alemanha não só precisou de Lutero, mas de
Melanchton. Este teólogo era muito mais do que um reformador, era um educador.
Sua obra como “ministro” da educação passou a ser sinônimo do seu nome. – “Pelo menos 56 cidades alemãs procuraram a
sua ajuda na reforma de suas escolas. Ele ajudou a reformar oito universidades
e a fundar outras quatro. Escreveu numerosos livros didáticos para uso nas
escolas e mais tarde foi chamado o Instrutor da Alemanha” (fonte:
Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã). – Precisamos de uma reforma
não só teológica, mas educacional. Pois o misticismo é contrário ao
conhecimento das Escrituras. E este é o problema que poucos ou ninguém quer
mexer.
A Reforma foi um
movimento altamente literário e o protestantismo genuíno é uma experiência
literária. O movimento evangelical contemporâneo está na contramão da história
da Igreja cristã. A ênfase hoje está em buscar respostas fora do que já foi
dito nas Escrituras, em sinais e prodígios. Muitos só crêem quando vêem grandes
milagres! Contrariando estas palavras:
Então, Jesus lhe
disse: “Porque
Jesus mesmo testificou que um profeta não recebe honra na sua própria pátria. Assim,
pois, que chegou à Galiléia, os galileus o receberam, porque tinham visto todas
as coisas que fizera em Jerusalém na ocasião da festa; pois também eles tinham
ido à festa.Foi, então, outra vez a Caná da Galiléia, onde da água fizera
vinho. Ora, havia um oficial do rei, cujo filho estava enfermo em Cafarnaum.
Quando ele soube que Jesus tinha vindo da Judéia para a Galiléia, foi ter com
ele, e lhe rogou que descesse e lhe curasse o filho; pois estava à morte. Então
Jesus lhe disse: Se não virdes sinais e prodígios, de modo algum crereis”. (João
4.48-50).
Não sei até onde
os pesquisadores fizeram suas elucubrações, mas acredito que boa parte da nossa
miscelânea evangélica tupiniquim se dá por esses motivos:
1.
Influência de elementos paganizados do catolicismo romano;
2.
Influência de elementos litúrgicos afro-indígenas;
3.
Influência da renovação carismática, subseqüentemente dos pentecostais
– A origem do movimento é anti-intelectual;
4.
Analfabetismo total e funcional da nação;
5.
Maioria feminina. – As mulheres são mais suscetíveis ao misticismo.
Embora não liderem (em grande parte, ainda) são as maiores sustentadoras dos
trabalhos.
6. A
busca de uma identidade e posicionamento social. – Pessoas pobres e
simples saem do anonimato e conquistam um status de poder e influência
“espiritualistas”.
7. A
busca por soluções imediatas.
Admito que sejam
muitos os fatores que contribuem para uma mentalidade mística, mas de uma forma
ou de outra, essas são as bases do misticismo evangélico brasileiro. Pessoas que
sentem um intenso desejo de relacionar-se imediatamente com o divino.
Experiências intuitivas e extáticas nunca foram novidades na religiosidade
popular. Mas no fundo, no fundo, o que há no misticismo é um escape para fugir
da obediência da Palavra de Deus. Contudo, o conhecimento de Deus não permite
atalhos! Não haverá reforma genuína enquanto o pentecostalismo (seja chamado de
“carismáticos” ou “renovados”) não for corajosamente combatido!
A palavra de
Cristo não é suficiente para esses “fanáticos, iludidos,
desmiolados, imbecis, tratantes e cães danados” – (adjetivos que
Calvino costumava chamar os místicos).
“Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas,
sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular; no qual todo o edifício, bem
ajustado, cresce para santuário dedicado ao Senhor, no qual também vós
juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito”. (Ef 2.20-22).
“Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas
maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo
Filho...” (Hb
1.1,2 a).
Em Cristo
Pr.Capelão
Edmundo Mendes Silva