Apesar de ser uma igreja que se via como espiritual (1 Coríntios 3.1 “E
eu, irmãos não vos pude falar como a espirituais, mas como a carnais, como a
criancinhas em Cristo”) e de ser voltada para a busca de dons
carismáticos (1 Coríntios 12.31; 14.1; 14.12), a igreja de Corinto estava na
iminência de dividir-se em pelo menos quatro pedaços. Paulo, ao escrever-lhes,
menciona que tem conhecimento de quatro grupos dentro da comunidade que
ameaçavam a sua unidade:
1.
Os de Paulo,
2.
Os de Pedro,
3.
Os de Apolo
4. E os de Cristo
(1 Coríntios 1.11-12 “Pois a respeito de vós, irmãos
meus, fui informado pelos da família de Cloé que há contendas entre vós. Quero
dizer com isto, que cada um de vós diz: Eu sou de Paulo; ou, Eu de Apolo; ou Eu
sou de Cefas; ou, Eu de Cristo”).
A igreja de Corinto, com seu espírito
faccioso e divisionista, a despeito de sua pretensa espiritualidade, ficou na
história como um alerta às igrejas cristãs de todo o mundo, registrado na carta
que Paulo lhes escreveu.
Para aprendermos a lição, devemos
primeiramente entender o racha que estava por acontecer naquela igreja. E não é
um desafio fácil determinar com relativa certeza a natureza e identificação de
cada um dos grupos mencionados por Paulo em 1 Coríntios 1.12.
Uma explicação popular é a dos partidos
teológicos. Para alguns estudiosos, os aderentes de Pedro, Paulo e Apolo
haviam-se agrupado em torno das suas doutrinas distintas, formando uma divisão
rígida dentro da igreja. Estes grupos se caracterizavam por manter as ênfases
doutrinárias características daqueles líderes.
Geralmente se ouve falar que:
- Os de Pedro mantinham um Cristianismo judaico rígido e intolerante, até meio legalista.
- Os de Paulo eram mais abertos, enfatizando a salvação pela fé sem as obras da lei,
- Os de Apolo seguiam a hermenêutica alegórica do eloquente alexandrino.
A realidade é que não há qualquer indício
em 1 Coríntios 1-4 da existência de partidos teológicos. A relação entre a
teologia dos líderes favoritos e a formação destes partidos em torno de seus
nomes é altamente especulativa.
O que se percebe é que havia a escolha
pessoal de cada coríntio de um líder favorito, de quem ele se vangloriava de
ser discípulo (1 Coríntios 1.12 “Quero dizer com isto, que cada
um de vós diz: Eu sou de Paulo; ou, Eu de Apolo; ou Eu sou de Cefas; ou, Eu de
Cristo” ; 3.21 “ Portanto ninguém
se glorie nos homens; porque tudo é vosso”).
As contendas se davam porque cada um deles
afirmava que seu eleito era o melhor (3.21, 4.6). Percebemos ainda que existe
uma relação estreita entre o apego à filosofia grega e a formação dos partidos
em 1 Coríntios 1-4. Os slogans “eu sou de...” soam como culto à personalidade, um erro
no qual crentes neófitos e imaturos caem com frequência.
No caso dos coríntios em particular, esse
culto à personalidade tinha recebido um impulso adicional da sua tendência,
como gregos, de exaltar os mestres religiosos ao status de theioi anthropoi, “homens possuindo
qualidades divinas”. As principais escolas filosóficas da
Grécia costumavam invocar o nome de seus fundadores e principais mestres. Esse
costume poderia explicar a vanglória dos coríntios em seguir Paulo, Pedro,
Apolo e mesmo o Mestre de todos, Cristo.
Os slogans usados pelos coríntios (“eu sou de...”)
ratificam esse ponto. O problema tinha a ver com a tendência comum de alguns
crentes de venerar líderes cristãos reconhecidos. Com exceção de Cristo, os
nomes escolhidos pelos coríntios são de um apóstolo (Pedro e Paulo) ou de
alguém associado com eles (Apolo):
Paulo era o fundador apostólico da igreja
(4.15); Apolo, por sua vez, embora não considerado no Novo Testamento como um
apóstolo, era um pregador eloqüente e tinha desenvolvido um ministério
frutífero entre os coríntios, depois da partida de Paulo (3.6, cf. At 18.24-28,
19.1);
E Pedro era o conhecido líder dos
apóstolos, e muitos possivelmente teriam sido atraídos a ele, embora não seja
certo que alguma vez ele haja visitado a igreja de Corinto.
Os “de Cristo” são notoriamente difíceis de identificar.
Embora a escolha do nome de Cristo tenha sido possivelmente uma reação ao
partidarismo em torno de nomes de homens, os seus aderentes nada mais são que
outro partido. Eles se vangloriavam de que seguiam a Cristo somente, e não a
homens, mesmo que estes fossem apóstolos.
Paulo os teria criticado pela forma
facciosa com a qual afirmavam esta posição aparentemente correta. É provável
que os membros do partido “de Cristo” eram os mesmos “espirituais”,
um grupo na igreja que se considerava “espiritual” (cf. 3.1; 12.1; 14.37). Para eles, o
conceito de ser “espiritual” estava relacionado com o uso dos dons
espirituais, principalmente de línguas e de profecia. Este grupo, por causa do
acesso direto que julgava ter a Deus, através dos dons, teria considerado
desnecessário o ministério de Paulo, tinham-no em pouca conta, e mesmo queriam
julgar a sua mensagem (1 Coríntios 4.3; 4.18-21; 8.1-2; 9.3). Esse seria o
grupo “de
Cristo,” cujos membros (em sua própria avaliação) não dependiam de
homem algum, mas somente e diretamente do Senhor, através dos dons. Paulo faz
pouco caso das suas reivindicações, e considera a igreja toda como sendo “de Cristo”
(cf. 3.23; 2 Coríntios 10.7).
É o próprio Paulo, entretanto, quem nos
revela a causa interna principal para as divisões entre os coríntios:
São essas, a saber: Eles ainda eram carnais (1 Coríntios
3.1-4 “E eu, irmãos não vos pude falar como a espirituais,
mas como a carnais, como a criancinhas em Cristo. Leite vos dei por alimento, e
não comida sólida, porque não a podíeis suportar; nem ainda agora podeis;
porquanto ainda sois carnais; pois, havendo entre vós inveja e contendas, não
sois porventura carnais, e não estais andando segundo os homens? Porque,
dizendo um: Eu sou de Paulo; e outro: Eu de Apolo; não sois apenas homens?” ;
cf. Gálatas 5.20 “a idolatria, a feitiçaria, as
inimizades, as contendas, os ciúmes, as iras, as facções, as dissensões, os
partidos”). Esta carnalidade, embora deva ser
interpretada primariamente como imaturidade, em contraste aos “maduros”
ou “perfeitos”
(1 Coríntios 2.6 “Na verdade, entre os perfeitos
falamos sabedoria, não porém a sabedoria deste mundo, nem dos príncipes deste
mundo, que estão sendo reduzidos a nada”), carrega uma
conotação ética, como a expressão “andar segundo os homens” (1 Coríntios 3.3
“porquanto
ainda sois carnais; pois, havendo entre vós inveja e contendas, não sois
porventura carnais, e não estais andando segundo os homens?”)
indica.
Podemos concluir que os partidos de Paulo,
Apolo, Cefas e Cristo, que estavam rachando a igreja de Corinto, não eram
partidos teológicos, isto é, aglutinados em torno da suposta teologia de cada
um destes nomes. Mais provavelmente, os partidos se formaram a partir das
preferências pessoais dos coríntios individualmente, tendo como impulso a sua
imaturidade, sua carnalidade, e sua tendência, como gregos, de exaltar mestres
religiosos. O partido de Cristo, por sua vez, havia se formado por outro
motivo, a enfatuação religiosa produzida pelos dons carismáticos.
A situação triste da igreja de Corinto nos
fornece um retrato do espírito divisivo que ainda hoje permeia as igrejas
evangélicas. É um texto básico para ser pregado e ensinado nas igrejas e
seminários. Embora haja momentos em que uma divisão seja necessária (quando,
por exemplo, uma denominação abandona as Escrituras como regra de fé e
prática), percebemos que as causas do intenso divisionismo evangélico no Brasil
são intrinsecamente corintianas: imaturidade, carnalidade, culto à personalidade, orgulho
espiritual, mundanismo. Nem sempre os líderes são culpados do
culto à personalidade que crentes imaturos lhes prestam. Paulo, Apolo e Pedro
certamente teriam rejeitado a formação de fã-clubes em torno de seus nomes. De
qualquer forma, os líderes evangélicos sempre deveriam procurar evitar dar
qualquer ocasião para que isto ocorra, como o próprio Paulo havia feito (1
Coríntios 1.13-17 “será que Cristo está dividido?
foi Paulo crucificado por amor de vós? ou fostes vós batizados em nome de
Paulo? Dou graças a Deus que a nenhum de vós batizei, senão a Crispo e a Gaio;
para que ninguém diga que fostes batizados em meu nome. É verdade, batizei
também a família de Estéfanas, além destes, não sei se batizei algum outro.
Porque Cristo não me enviou para batizar, mas para pregar o evangelho; não em
sabedoria de palavras, para não se tornar vã a cruz de Cristo”).
Infelizmente, o conceito de ministério que prevalece em muitos quartéis
evangélicos de hoje é exatamente aquele que Paulo combatia em 1 Coríntios.
Que Deus em Cristo tenha misericórdia de
todos nos e que possamos esta vivendo dignamente com Cristo e sua Palavra.
Pr. Capelão Edmundo Mendes Silva
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