terça-feira, 24 de março de 2009

O DESERTO NA VIDA ESPIRITUAL


Podemos entender o Deserto em dois aspectos: como uma realidade física, buscada pelo homem ou como uma realidade espiritual que toca toda a vida do homem, ao qual Deus parece atrair-nos constantemente para uma forte experiência. Nós nos deteremos neste segundo Deserto, nesta segunda experiência que envolve um chamado de Deus a mergulhar na obra de solidão e luta tão característica de uma autêntica experiência de Deserto.
O deserto é uma obra de Deus, para onde Ele dirige os seus eleitos: Os. 2, 16 “E devastarei a sua vide e a sua figueira, de que ela diz: É esta a minha paga que me deram os meus amantes; eu, pois, farei delas um bosque, e as feras do campo as devorarão”. Podemos cair na tentação de querer entender esta rica experiência de Deus como uma punição divina, o que não corresponde a realidade, pois se Deus atrai os seus para o deserto é por desejar que mergulhem em sua intimidade. É sinal do "Amor Terrível" de Deus (Carlos Carreto) que atrai para que o homem possa exclamar : "Conhecia-te só de ouvido, mas agora viram-te meus olhos…", como o justo Jó (Jó 42, 5).
Os grandes homens de Deus nas escrituras experimentaram desta obra em suas vidas, uma obra de purificação e aproximação com Deus.


1. O DESERTO COMO SITUAÇÃO DE VIDA


a) A Obra do Deserto:
O deserto encerra sempre uma obra de desinstalação, uma obra de "despojamento total de si" e encontro com a Verdade… Podemos chamar esta obra de "kenwsis" (kénosis), ou seja, um quebrantamento radical de si mesmo. Esta obra é descrita na carta aos Filipenses 2, 5-11. No texto bíblico o Apóstolo fala do mistério da encarnação: qeou), não Cristo modelo de humildade sendo de "condição divina" (morfh considerou o ser "igual a Deus" como algo a apegar-se (arpagmo), mas despoja-se (ekenwse)…
Kénosis é um despojamento pleno, ontológico e profundo. Esta palavra grega evoca uma ação de violência.
A Obra do deserto é de violência, um chamado a lutar. O ambiente hostil do deserto pode muito refletir a ação de Deus. Apenas os corajosos devem entrar no deserto. O próprio Jesus dá o testemunho sobre os homens que serão encontrados no deserto ao falar de João Batista (Mt 11, 7-14). Não são os de roupas finas ou caniços agitados pelo vento, mas os violentos. Devemos aspirar pelo deserto com todas as nossas forças, pois lá mergulhamos no coração de Deus e na misericórdia Divina, mas sem esquecer que esta é uma obra que exige um esforço. Deus não atrai crianças para o deserto, mas homens que possam lutar, e nos atrai para que despertemos do orgulho e saiamos das garras do pecado, é uma obra sempre próxima à crise.


b) O Deserto Para o Povo de Deus:
O Povo de Deus viveu momentos maravilhosos no deserto, mesmo consciente que este sempre representou uma luta. Na meditação do Povo de Deus sobre a sua experiência ao ser atraído ao deserto, ele descobriu as maravilhas escondidas no ríspido ambiente hostil, que se refletem muito bem na meditação dos profetas e demais escritores do Antigo Testamento. Entre os muitos temas encontramos de maneira especial:
No deserto se afirma mais claramente para o Povo a unicidade de Deus. É no deserto que o Povo eleito compreende melhor a grandiosidade de Iahweh. No deserto o Povo eleito na encontra referências diversas para expressar a sua segurança como fará ao entrar na Terra Prometida depositando sobre ídolos a sua esperança de segurança. Só Deus é a realidade que pode libertar no deserto, uma realidade imutável. Ao estabelecer-se na Terra (sair do deserto), Israel confunde as várias forças com divindades, enquanto ele encontrava-se preso à desolação mergulhava muito mais no único Poderoso…
É o tempo da fidelidade! A diferença entre o pecado do Povo no deserto e na terra prometida é fundamentalmente diferente: no primeiro caso está uma não aceitação do Senhorio de Iahweh e no segundo um recurso a outros deuses. No deserto o Povo rebela-se muitas vezes contra o abandono que exige o deserto desejando ser Senhor da sua própria vida, mas sempre consciente de Grande é o Senhor que o tirou do Egito. Na terra este mesmo Povo perde-se em busca de outros deuses esquecendo-se de Iahweh.
O deserto é ainda associado ao inimigo que haveria de tombar dentro de uma primitiva cosmologia. Sinal assim do transitório e do poder de Iahweh que deveria triunfar sobre tudo. Ao contemplar a desolação própria do deserto a religião primitiva o associava às forças contrárias à vida que vinha de Iahweh, logo Iahweh demonstrava seu poder transformando em oásis o deserto… Refletindo sobre o deserto o Povo compreende que Deus o conduz para provar, mas que ele fora protegido e guardado refletindo assim um tempo de graça… (cf. Deut 8). Este foi a maior descoberta do Povo de Deus, que o fez enxergar no deserto a mão misericordiosa do Senhor, este mesmo sentimento foi transferido para o Exílio muitas vezes associado ao deserto (cf. Dn 3).

Em Cristo Jesus
Um abraço
Pr. Edmundo

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