domingo, 21 de outubro de 2012

RELIGIÃO E ENTRETENIMENTO, APROXIMAÇÕES CONTEMPORÂNEAS.



Algumas organizações religiosas parecem se adaptar às exigências de um tempo marcado pela lógica do entretenimento de grande escala midiática. Trata-se de mais um fenômeno cultural da sociedade contemporânea.
O conhecimento passa a ser predominantemente construído por meio de imagens e emoções. O suporte das mídias digitais amplia as possibilidades de experiências multimidiáticas facilmente reproduzíveis. Os satélites, antenas e cabos se prestam a transmitir infindáveis horas de cultos, relatos e pregações de novos sacerdotes, especialmente à vontade com as novas linguagens da comunicação.
A religião parece aumentar sua presença nesse ambiente. As igrejas e movimentos mais tradicionais sentem dificuldade de transpor suas mensagens para esses novos meios. Foram séculos centrados na palavra anunciada a partir de púlpitos elevados, destinada a fiéis que se concentravam na leitura do Livro Sagrado ao longo da semana. Atualmente, é restrito o número de pessoas que se dedicam à leitura de livros mais exigentes, especialmente os de linguagem rebuscada, que exigem o acompanhamento de um dicionário.
Dentre as lideranças religiosas, quem não se adaptou à nova realidade frequentemente vê seus templos ficarem mais vazios ou não terem o crescimento do número de fiéis como gostariam. Há uma verdadeira batalha por corpos e mentes entre diversas denominações e, até mesmo, religiões, que se explicitam nos locais de culto, meios de comunicação e produtos midiáticos, tais como CD, DVD, softwares, VHS e outros.
Especialmente no Brasil, de uma matriz histórica colonialista católico-romana, acrescenta-se o tempero do sincretismo religioso, que serviu como defesa cultural aos povos nativos, colonizados e escravizados. A desconfiança em relação aos discursos dominantes parece tornar mais comum à construção da compreensão individualista de uma fé que ajude a enfrentar o cotidiano marcado pela desigualdade e ciclos viciosos de reprodução da pobreza.
Um dos elementos que explicam o caráter peculiar da modernidade é a separação de tempo e espaço, dimensões antes ligadas por meio do lugar. A intrusão de eventos distantes na consciência cotidiana promove o descolamento das relações sociais dos contextos locais, antes obrigatórios à convivência.
Daí se dá a rearticulação mediada desses mesmos relacionamentos e outros por partes indeterminadas de espaço-tempo. Essa nova condição leva aos mecanismos de desencaixe, que separam a interação humana das características do lugar de encontro e, por fim, à reflexividade institucional, ou seja, cada indivíduo precisa manter sempre a chamada dúvida radical e definir por si só no que crê, a que se dedicar e como dar sentido à sua existência.
É o desenvolvimento do pensamento weberiano sobre o individualismo heróico, ampliado pelas tecnologias de informação e comunicação que permitiram transpor distâncias e culturas. As exposições às mais diversas manifestações culturais, devidamente justificadas pela Ciência, aumentam o relativismo e diminui o poder de autoridades religiosas para influenciar o comportamento dos fiéis.
Outro fator importante é, quando afirma que a concentração de poder na mídia no século XX embaralhou as possíveis linhas divisórias entre informação e entretenimento, inclusive com as influências mútuas entre política, mídia, economia e religião. O fenômeno dos radioevangelistas e televangelistas já completou mais de 80 anos e segue comprovando essas simbioses, como demonstram algumas igrejas neopentecostais brasileiras e até as eleições presidenciais nos EUA. Vale lembrar que o Vice-Presidente da República do Brasil (2003-2006 2007), José de Alencar, é filiado desde 2005 ao Partido Republicano Brasileiro, considerado pela imprensa o braço político da Igreja Universal do Reino de Deus.
Há uma orientação nas escolas e empresas de comunicação para que a informação não seja algo enfadonho. Nesse sentido, alguns componentes do entretenimento são absorvidos para manter a atenção da audiência. O que inicialmente tinha uma intenção didática parece que acabou por se tornar a própria mensagem. Basta ver a dificuldade de entender a diferença entre a atuação dos profissionais da persuasão, como assessores de imprensa, cineastas, marketing político, marketing religioso, propagandistas, publicitários, relações públicas; e os profissionais da informação, tais como os da Imprensa.
Segundo Bertrand, os meios de comunicação deveriam ter dentre suas funções principais:
Observar o contexto; oferecer um relato sucinto e organizado dos acontecimentos que podem ou não afetar o cotidiano pessoal.
Assegurar a comunicação social; para que a democracia se estabeleça é preciso contar com espaços de discussão para que se elaborem compromissos, com vistas à coexistência pacífica.
Fornecer uma imagem do mundo; como não é possível o conhecimento direto, para o homem comum inexiste a maior parte das regiões geográficas, pessoas e assuntos sobre os quais a mídia não fala.
Difundir a cultura; compartilhar uma visão do passado, do presente e do futuro que seja imbuída de tradições e de valores éticos que fortalecem no indivíduo uma identidade étnica, especialmente se de acordo com os Direitos Humanos.
Contribuir para a felicidade, divertir; no mundo contemporâneo as pessoas vivem mais, e, algumas, podem se organizar para dedicarem mais tempo a outros afazeres que não apenas o trabalho.
Fazer comprar; atuar como vetores da propaganda, que ajuda a movimentar as atividades econômicas, estimular a concorrência e, por outro lado, pode servir à manipulação e incitação do desperdício.
Originalmente se poderia pensar no entretenimento como o conjunto de ações que divertem, distraem e ocupam o tempo das pessoas entre duas atividades consideradas essenciais à sobrevivência, como o trabalho e a proteção à família. Apesar dessa definição apontar para algo aparentemente supérfluo, o entretenimento é inerente à humanidade e é um importante fator de desenvolvimento de laços sociais e da cultura. Inicialmente se dava nas conversas, estórias, brincadeiras, músicas, teatro e danças comunitárias, muitas vezes nas feiras em que o povoado se encontrava periodicamente.
Atualmente, o entretenimento se transformou em algo diferente. Ainda há espaço para a riqueza das manifestações culturais de influência regional, das conversas ao ‘pé da mesa’, dos jogos e diversões típicos de uma localidade. No entanto, cresceu imensamente a atuação globalizada dos grupos de mídia multinacionais, com a ascensão de uma lógica industrial para o estabelecimento de mercados competitivos ao redor de ídolos musicais, cinematográficos, televisivos, esportivos e de outras ordens. Na prática, para alimentar a voracidade dessa complexa teia de interesses, se estabelecem novas linguagens e tempos para manter os recursos financeiros em movimento e conquistar os corações dos fãs.

Algumas características atuais da produção dos fenômenos midiáticos com vistas ao entretenimento incluem:
1.      Imediatidade. O culto ao presente e a desvalorização da memória. O que vale é o que atrai e movimenta o maior número de pessoas agora. Um grande sucesso de ontem pode não significar nada mais hoje. Os produtos do passado, ainda que recente, são tratados com estratégias mercadológicas voltadas ao aproveitamento residual, ou seja, continuar a vender para os apaixonados que se prenderam emocionalmente ao astro em declínio ou buscar relançamentos para conquistar novas audiências.
2.      Descartabilidade. Se o presente vale sempre mais que o passado, a busca permanente da novidade é parte da lógica dessa indústria do entretenimento. Isso significa estar pronto para descartar o que era mais apaixonante até recentemente e mandar para o limbo midiático aqueles que não conseguem manter suas metas de vendas.
3.      Exotismo e singularidade. Atrai a atenção de mais pessoas ao mesmo tempo o que é exótico, diferente e singular. O que é belo ou muito feio, de acordo com padrões estéticos impostos pela própria indústria do entretenimento. Os extremos chamam a curiosidade: gordo, magro, nanismo, gigante, colorido, venenoso, sexy, repulsivo, estúpido, gênio, rápido, lento etc. Daí para se chegar à aberração como norma, não é muito distante.
4.      Superficialidade. Se o presente dita a descartabilidade constante, acaba por se chegar à superficialidade, ao império dos sentidos em contraste à laboriosa reflexão. Vale o que emociona, mesmo que signifique pouco ou nada. O mais comum é a emoção que não pede reflexão, a de reação instantânea, instintiva, atávica. As pulsões incentivadas ao máximo: a violência e o sexo como eixos estruturantes. A relação com o objeto que emociona é de imediata adoção, sem maiores laços, para facilitar o descarte assim que algo novo surgir. Os casos de devoção, como os dos ‘fãs-clubes’ não superam essa superficialidade, à medida que nunca chegam à relação pessoal em longo prazo com seus ídolos.
5.      Percepção facilitada. Se apaixonar por uma atriz, um cantor, um ídolo, uma música ou um filme pede que os atributos de atração sejam facilmente descobertos e, para tanto, ressaltados claramente pelos produtores. Fazer pensar não é o objetivo, pelo contrário, quanto mais visceral for à associação dos consumidores midiáticos, mais aptos a gastarem por seus ídolos estarão.
6.      Audiência. O único indicador de qualidade válido é o sucesso de vendas, a audiência comprovada e o número de pessoas interessadas. Só a presença de uma multidão disposta a se mobilizar pelo objeto de entretenimento indica ser algo de boa qualidade. Os comentários dos profissionais de crítica não chegam aos ouvidos da grande massa, por estarem restritos, prioritariamente, aos jornais e revistas, meios de pouca circulação.
7.      Passividade. Da forma como está organizado, o entretenimento de grande escala midiática só permite uma associação pessoal limitada à função de receptáculo. Mesmo os programas que anunciam a participação popular se restringem a votações geralmente pagas, com foco em aspectos menores do que é apresentado. As pessoas devem se limitar cada vez mais a uma espécie de lobotomização regida por interesses comerciais dos produtores.
Devido à crescente importância do entretenimento de grande escala midiática, aumenta o número de interessados em tomar esse caminho para uma ascensão social rápida. Antes, era objeto de atenção da mídia aquele capaz de realizar algo, um grande feito ou um talento especial. Atualmente, há vários casos do ‘animal midiático’, que é midiatizável por razões intrínsecas à própria mídia, tais como uma relação sexual com alguém famoso. O culto às celebridades gera seus próprios gnomos, de menor escala, em relação aos deuses do panteão principal.


MÍDIA E RELIGIÃO NA SOCIEDADE DO ESPETÁCULO ENTRETENIMENTO, MAGIA E RELIGIÃO.

O que o entretenimento atualmente anuncia e reforça vai ao encontro do que se percebe como os valores fundamentais da sociedade contemporânea. No que afeta diretamente à religião encontram-se os seguintes:

Deísmo. A pluralidade religiosa é diferente da devoção simultânea a vários deuses. O sincretismo foi suplantado pela capacidade de dissociação que as pessoas fazem entre o que professam como fé e suas práticas cotidianas. A divindade foi alocada num cubículo da mente, com quase nenhum contato com o mundo do trabalho, dos relacionamentos pessoais e das atividades corriqueiras. Outros deuses concorrem, tais como o dinheiro, a sensualidade, a beleza, a força, a fama, enfim, o poder.

Consumismo. As pessoas são reconhecidas pelo que possuem, pelos bens materiais que alcançam e o patamar de consumo que ocupam. Se o que importa é a riqueza, está instalado o materialismo, a crença no que é possível obter, a perda da subjetividade e a aridez do fosso social encarado como desejável. O hedonismo é seu gêmeo univitelino, pois amplia a lógica da posse para as relações pessoais e individualiza ao extremo a noção de bem estar. Isso aponta para a exclusão e a indiferença.
Incluir o consumismo e o deísmo na espiritualidade parece mais apropriado à magia do que à religião. Em sua análise dos principais conceitos weberianos, aponta que:
(...) magia é coerção do sagrado, compulsão do divino, conjuração dos espíritos; religião é respeito, prece, culto e sobretudo doutrina. Sendo principalmente doutrina, a religião representa em relação à magia um momento cultural de racionalização teórica, de intelectualização, com nítidas pretensões de controle sobre a vida prática dos leigos, querendo a constância e a fidelidade à comunidade de culto. A normatividade que corresponde à magia é tabu; a normatividade que vai resultar da religião é a ética religiosa.

Se magia é tentar subordinar os deuses e alcançar benefícios imediatos, individuais ou para o círculo de pessoas mais próximas, talvez se esteja presenciando o retorno do magismo sobre as manifestações religiosas contemporâneas, especialmente as de cunho midiático. Ética e doutrina não têm a mesma plasticidade visual que mágica e manifestações sobrenaturais programáveis.
A mescla de magia com as características do entretenimento de grande escala midiática parece avultar dentro das organizações religiosas.
A começar que é dispendioso manter a estrutura para dar conta do aparato técnico que a mídia precisa para funcionar. Essa necessidade de recursos financeiros acaba por se imiscuir em tudo que se planeja, age ou reflete por parte das lideranças. A tal ponto que fica confuso sobre quais são os fins e quais são os meios.
Para manter a máquina girando, alguns se rendem à lógica do entretenimento, com aberrações em destaque, predominância de músicas e efeitos visuais cada vez mais inebriantes ao longo do culto, ênfase no volume da arrecadação e promessas de satisfação imediata das necessidades dos fiéis. A entrega sensual da audiência às emoções invocadas é sinal de bênção. O transe se torna cada vez mais semelhante aos rituais mágicos de curandeiros animistas. A catarse semanal ajuda a enfrentar a vida, com a certeza da vitória constante. Funciona como um show ou apresentação midiática. Ao final, a sensação de bem estar vale o esforço e os custos envolvidos. A religião que gera uma mudança ética, uma conversão, exige reflexão e dedicação ao estudo sistemático da doutrina. Isso requer tempo e esforço, duas variáveis que as pessoas parecem pouco dispostas a aplicar na sua espiritualidade. Seja por estarem tomadas pela lógica do entretenimento ou mesmo pela dificuldade de encarar a complexidade do contemporâneo e pós-moderno.
Por outro lado, a expulsão da manifestação sobrenatural realizada pelas organizações religiosas centradas no clericalismo e seus intelectuais já deu mostras de falência múltipla de órgãos. A exemplo de alguns países europeus, onde as igrejas se tornaram pontos de atração turística e continuamente vazias de fiéis. Encontrar o meio termo entre a necessidade de adotar novas linguagens que expressem uma espiritualidade mais adequada ao mundo contemporâneo e a entrega absoluta à lógica do entretenimento é um desafio.
Para a Associação Mundial de Comunicação Cristã (WACC), são os seguintes os princípios cristãos da comunicação: vivenciar a comunicação desde uma perspectiva cristã; a comunicação cria comunidade; a comunicação é participativa; a comunicação liberta; a comunicação presta apoio e desenvolve as culturas; a comunicação é profética.
Definitivamente, religião não pode ser entretenimento. Sob o risco de contar com uma grande audiência, seduzir multidões e não cumprir sua função principal, de transformação.



Façamos uma reflexão no momento atual......
Em Cristo..
Pr.Capelão Edmundo Mendes Silva

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